Debate

Vamos falar sobre capacitismo? Ou por que a Globo escala Sophie Charlotte como deficiente visual

21 • 09 • 2022 às 13:13
Atualizada em 23 • 09 • 2022 às 18:46
Kauê Vieira
Kauê Vieira   Sub-editor Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.

Sophie Charlotte vai interpretar uma deficiente visual na nova trama de João Emanuel Carneiro“Todas as Flores”, novela original Globoplay que estreia em 17 de outubro no streaming da Globo. O fato de uma atriz que enxerga na vida real dar vida a uma cega reabre o debate sobre a falta de representatividade PcD na televisão. Nesta quarta-feira (21 de setembro), diga-se, é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.

O Brasil ainda está muito longe de ser um país diverso, mas avançou na presença de pessoas negras no vídeo e nas abordagens multiculturais. O mesmo não acontece com atores e atrizes PcD. Existe até um termo para denominar a prática em que personagens com deficiência que são interpretados por atores sem deficiência: se chama cripface.  

Nada de errado, portanto, com a personagem vivida por Sophie. É louvável que a cegueira e as dificuldades que enfrentam as pessoas com baixa ou nenhuma visão ganhem esse protagonismo nas telinhas. É fundamental na luta contra o capacitismo. A questão é: por que PcDs não estão mais presente em todos os folhetins e em papeis de destaque – já que pelo menos um quarto da população brasileira tem alguma deficiência, segundo o IBGE?

O curioso é que, num movimento recente, a própria TV Globo demonstrou esforço para promover a inclusão de pessoas com deficiência em suas novelas. Em 2017, Juliana Caldas teve grande destaque em “O Outro Lado do Paraíso”, de Walcyr Carrasco. 

Sophie Charlotte, que enxerga, viverá mulher cega em novela

A atriz, que tem nanismo, falou ao GShow sobre a importância de tratar do assunto em pleno horário nobre da televisão brasileira. “Estou muito feliz e esperançosa para que a novela dê visibilidade e respeito às pessoas com nanismo e com algum tipo de deficiência”, disse na época. 

O problema é que Juliana Caldas não recebeu mais oportunidades para atuar na TV depois de “O Outro Lado do Paraíso”. 

Falta representatividade PcD na televisão 

A atriz chegou a tratar do assunto publicamente, criticando a falta de sensibilidade das emissoras e os estigmas que envolvem uma pessoa com deficiência. “Estudei para interpretar qualquer personagem. As pessoas têm todo o direito de não gostar do meu trabalho, mas acho que precisam separar o nanismo do meu talento”, declarou. 

Exclusão ainda é regra 

A ausência de representatividade ou o capacitismo ainda são bastante comuns quando se fala sobre a realidade de pessoas com deficiência na dramaturgia brasileira. 

Nana Datto é uma comunicóloga e atualmente moradora do Rio de Janeiro. A jovem nascida no interior de Minas Gerais é autora de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre como as pessoas com deficiência são retratadas nas novelas das nove

A pesquisa conclui rapidamente o que já é sabido: nenhum PcD foi escalado no papel principal de uma novela das nove no Brasil. Para piorar, somente quatro novelas incluíram pessoas com deficiência em seus elencos em 20 anos. 

Foram elas “Páginas da Vida”, “América”, “Viver a Vida” e “O Outro Lado do Paraíso”. Mas, de acordo com o trabalho de Nana, os roteiros ainda flertaram com o capacitismo e outros estereótipos. 

“Dessas quatro novelas com representação de pessoas com deficiência, apenas duas [“Páginas da Vida e “O Outro Lado do Paraíso”] tinham atrizes PcDs representando as personagens”, explica Nana Datto em entrevista ao site Jornalista Inclusivo

A atriz Juliana Caldas, em estreia recente no teatro em peça-solo.

A jornalista continua com sua análise apontando o problema de representatividade que aparece agora na novela estrelada por Sophie Charlotte. “Nas outras produções [“América” e “Viver a Vida”], as personagens PcDs foram representadas por atrizes sem deficiência”, pontua. 

De acordo com a comunicadora, esse tipo de representatividade é classificado como cripface, que acontece quando atores e atrizes sem deficiência interpretam papéis de pessoas com deficiência. 

A prática impacta diretamente nos postos de trabalho para atores e atrizes com deficiência, além de passar ao espectador uma ideia capacitista, que exclui PcDs de postos na dramaturgia. 

Viviane de Assis estará em novela de Gloria Perez

Importante ressaltar que a Globo anunciou que terá uma atriz portadora de nanismo na próxima novela das nove. A passista Viviane de Assis, da Viradouro, vai ser uma das estrelas de “Travessia”, trama de Gloria Perez que substitui “Pantanal” no horário nobre da TV.

“Amores, a felicidade me consome. Acabei de receber o convite de Gloria para fazer uma participação na novela”, celebrou Viviane em postagem no Instagram.

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Fotos: foto 1: Reprodução/TV Globo /foto 2: Pino Gomes/Divulgação

 


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