Trigo em xeque: Como a guerra encareceu o pão nosso de cada dia

Vitor Paiva  • Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Em 2000, a União Internacional de Padeiros e Afins, em Nova York, instituiu o 16 de outubro como o Dia Mundial do Pão. E, desde então, a data serve para homenagear este que é um dos alimentos mais populares nas mesas de todo o mundo, e que se adapta às diferentes culturas e hábitos diários. No Brasil não é diferente.

Entre os muitos alimentos que subiram de preço nos últimos meses, um dos mais caros (e amados) pelos brasileiros é o pão francês. Também conhecido como pão de sal, cacetinho, jacó, filão, pão careca ou simplesmente pãozinho, segundo o IBGE o pão francês subiu 17% em média no último ano. Mas o que a guerra entre Rússia e Ucrânia tem a ver com isso? A resposta está em um dos ingredientes mais importantes da história da humanidade: o trigo.

No último período, o preço do pão subiu mais de 41%, de R$ 11,28 para R$ 15,93 o quilo em média

-Conheça o pão popular na Rússia e Ucrânia que teria envenenado soldados no conflito

Estima-se que 750 milhões de toneladas de trigo em média sejam produzidas por ano, para fabricação de farinha, pão, cerveja e tantos outros produtos que servem de base alimentícia para boa parte da população. Apesar da China ser de longe o maior produtor, Rússia e Ucrânia são fornecedores fundamentais do ingrediente, responsáveis por mais de 210 milhões de toneladas anuais, equivalentes a cerca de 30% do consumo mundial.

Produção de trigo nos arredores de Kiev: a Ucrânia é um dos maiores exportadores do grão

-Atenção, celíacos: cientistas descobriram com editar o gene do glúten no trigo

Assim, os tempos turbulentos de guerra afetam o mercado – e o pãozinho – de todo o planeta. O Brasil ocupa a 21ª posição entre os produtores de trigo, mas a 8ª entre os importadores: em suma, o trigo que importamos interfere diretamente na fabricação e, portanto, no preço do pão nosso de cada dia. Embora a Argentina seja responsável por boa parte dessa importação, outras produções são fundamentais para a demanda nacional – principalmente da Rússia e da Ucrânia.

Mulher colhendo trigo na Índia: um dos maiores produtores, o país também exporta para o Brasil

-Qual é a origem das padarias?

A Rússia é o terceiro maior produtor, porém o maior exportador da commodity no mundo, enquanto a Ucrânia ocupa a quarta posição em exportação do grão. Novos acordos entre os dois países, porém, trazem esperanças para que o valor se estabilize, e o efeito já é sentido no mercado estadunidense, que fechou a entrega do trigo em setembro em queda de 5,86%, e no europeu, com queda assinalada para o mesmo período de 6,7%.

Principal alimento do mundo

Desde os primórdios da humanidade que as civilizações se ergueram tendo o trigo como uma de suas bases alimentícias essenciais – e a importância desse grão permanece central na alimentação mundial. Estima-se que o trigo contribua para quase 20% do total de calorias e proteínas consumidas pela população, confirmando-se como o principal alimento do mundo.

Os grãos de trigo vem sendo processados e transformados em alimento ao longo de nossa história

-Chef cria pães-obra de arte e você pode tentar fazer o mesmo

Espécies do grão já eram produzidas há cerca de 14 mil anos, com indícios de colheitas encontrados no Irã, na Turquia e na Síria. Uma das mais antigas receitas já descobertas é justamente de pão, remonta a esse período milenar, e misturava trigo, cevada, raízes e água. Não é exagero, portanto, afirmar que a história da humanidade é também a história da produção do trigo, que é hoje o segundo grão mais produzido no mundo, atrás somente do milho.