Arte

‘Afropunk Bahia’: após edição híbrida, festival faz ‘estreia de direito’ em Salvador

21 • 11 • 2022 às 18:28
Atualizada em 21 • 11 • 2022 às 22:27
Kauê Vieira
Kauê Vieira   Sub-editor Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.

O “Afropunk” desembarca novamente na cidade de Salvador. O maior festival de cultura negra do mundo, que já teve edições nos Estados Unidos e África do Sul, prepara sua segunda vez na cidade mais preta fora da África. 

O “Afropunk” vai acontecer no Parque de Exposições, na cidade de Salvador, nos dias 27 e 28 de novembro. A programação está recheada de atrações importantes, como as cantoras Ludmilla e Liniker, que acabaram de vencer um “Grammy”, além do rapper Baco Exu do Blues, Mart’nália e Emicida. 

A expectativa é enorme, afinal esta é a primeira edição na América Latina sem as restrições impostas por causa da pandemia de covid-19. “Afropunk” de 2021 teve púbico reduzido por causa das medidas restritivas. O Hypeness conversou com os diretores do festival, Ana Amélia e Ismael Fagundes, que dividiram conosco a expectativa de promover um encontro da cultura negra em um território tão emblemático como Salvador. 

O Afropunk vai para a segunda edição em Salvador

“Salvador é conhecida como a cidade mais negra fora do continente africano e aqui nasceram grandes e importantes movimentos culturais negros, como o primeiro bloco afro do Brasil. É onde a história do país começou. É onde temos um celeiro de criatividade que, constantemente, tem de migrar para outros Estados para ganhar a visibilidade que merece”, ressaltam os diretores do “Afropunk Bahia”. 

O “Afropunk” nasceu como um movimento de música e cultura da comunidade negra norte-americana. Sua primeira edição aconteceu no coração de Nova York, o bairro do Brooklyn, que recebeu o evento na sua Academia de Música. 

Desde então, o “Afropunk” se colocou como o maior festival de cultura negra do mundo. E isso reflete em sua importância e representatividade na luta contra o racismo, como nos explicam Ana Amélia e Ismael. 

“A realização do maior festival de cultura negra em Salvador mexe com toda a resistência ancestral da comunidade negra local, mas também nacional e internacional, já que estamos falando de um evento global que escolheu Salvador como sede da edição na América Latina. Costumamos dizer que o ‘Afropunk Brasil’ não poderia ser em outro lugar.”

‘Salvador, capital afro’ 

E não poderia mesmo. O “Afropunk” em Salvador significa fortalecer ainda mais a capital baiana como ponto importante no turismo negro. Embora seja, talvez, a cidade que mais preservou os símbolos da escravidão e a cultura afro-brasileira, presente na comida, na religião e na arquitetura, a metrópole soteropolitana, com quase 80% de pessoas pretas e pardas, recebe muito mais turistas brancos do que afro-brasileiros. 

Isso se dá por causa dos efeitos do racismo, estrutural ou não, que impede o acesso de pessoas negras aos espaços dominados pela chamada branquitude, sobretudo depois da pandemia de covid-19 e a ascensão da extrema-direita ao poder. 

Dados da PNAD para o segundo trimestre de 2021 apontam que a taxa de desemprego entre pretos e pardos era de 16,2%, enquanto entre os brancos estava na faixa dos 11,7%. Some a isso ao aumento no preço das passagens aéreas e temos uma completa exclusão de afro-brasileiros do circuito turístico onde Salvador se encontra. 

“Todas as iniciativas do festival, da comunicação ao acesso ao ingresso, são pensadas visando ao protagonismo do público negro. A primeira edição, ainda com restrições pandêmicas, teve ingressos a preço social e toda a renda foi revertida para o Quabales, instituição do Nordeste de Amaralina, em Salvador.” 

Os organizadores do “Afropunk” ainda ressaltam que houve a preocupação de oferecer preços de ingressos mais baixos do que os de boa parte dos festivais. Para se ter ideia da discrepância, grandes eventos do circuito Rio-São Paulo chegaram a cobrar mais de mil reais por dois dias de evento, inviabilizando qualquer movimento inclusivo.

Ludmilla, que ganhou um ‘Grammy’ na semana passada, será uma das atrações do ‘Afropunk Bahia’

“Para a edição deste ano, com toda a potência e grandeza de um festival global, começamos a venda no dia 1º de junho, cinco meses antes da data dos shows, com preços muito abaixo do da maioria dos festivais de porte semelhante no País. Ainda hoje, às vésperas do evento, ainda é um valor acessível diante do tamanho, da estrutura, de um evento internacional. Além disso, temos sempre os olhos voltados para ações de fortalecimento e possibilidades para os nossos. O objetivo é contemplar a participação de diversas camadas. Enfim, é um conjunto de iniciativas para que a nossa roda de protagonistas pretos ganhe mais força”, complementam os organizadores do “Afropunk”. 

A diversidade é fio condutor do “Afropunk”, que teve sensibilidade para atender outro setor social ainda excluído por causa do preconceito. O festival tem descontos para pessoas trans e pessoas com deficiência (PCDs).

Uma das principais bandeiras do Afropunk é a inclusão das minorias, para que possam ser quem são, nessa grande roda, livres de qualquer preconceito. Para isso, o discurso precisa caminhar em sintonia com a prática. Para que as minorias possam participar desse grande quilombo contemporâneo que é o Afropunk, é preciso que existam iniciativas que possibilitem o acesso e a inclusão desses grupos ao festival. É importante destacar que as ações são estendidas para além do acesso aos ingressos: elas estão no line-up, nas equipes de trabalho e nas lideranças. A roda precisa ser inclusiva e no Afropunk todes podem.

Não custa lembrar que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo

Protagonismo negro 

O “Afropunk” desembarca em Salvador em um momento em que a comunidade negra brasileira adiciona novos métodos de combate ao racismo. São representantes dos movimentos negros em diversos setores. 

Destaque para o trabalho da Coalizão Negra, que se destacou na luta por assistência às pessoas negras atingidas pela covid-19 e, além disso, marca presença no momento de transição presidencial. 

“É importante ressaltar que estamos, sim, vivenciando grandes avanços na comunidade negra, mas que ainda vivemos o mito da democracia racial no Brasil. Somos a maioria da população, mas também somos inviabilizados. Pensando na contribuição do Afropunk para além da programação musical, um dos legados do festival é que o protagonismo das principais lideranças dos times do Afropunk Bahia é composto, em sua maioria, por pessoas negras. Eu brinco com alguns colegas que é um grande MBA Black. Isso é muito importante, pois o público poderá se reconhecer tanto com os artistas no palco como também com quem está nos bastidores e com os empreendedores que estarão vendendo produtos. É tudo pensado para que a comunidade esteja em protagonismo”, pontuam Ana Amélia e Ismael Fagundes.

O Afropunk é celebração da cultura negra na capital baiana

As atrações 

O “Afropunk” vai reunir, em Salvador, alguns dos principais artistas do Brasil, sempre tendo cuidado para visibilizar os expoentes da música baiana. Nesse sentido, o pagodão tem espaço garantido. 

“O pagodão baiano é um dos principais ritmos musicais de Salvador e que tem ganhado novamente projeção no cenário dos festivais, com a nova geração do pagode, como a banda ÀTTØØXXÁ, que tocará no festival no dia 27. Também teremos outros representantes do gênero, como a DJ Paulilo Paredão que tem circulação nas praças das periferias, reforçando a importância do pagode baiano para a cultura da cidade e que, pela primeira vez, tocará em um festival internacional.” 

O “Afropunk” será dividido em dois palcos no Parque de Exposições, Agô” e “Gira”, palavras das culturas Yorubá e Quimbundo. 

“Agô” significa licença em Iorubá. Já “Gira” é uma palavra que traduz o encontro de gerações. 

“Na edição do ano passado, de forma híbrida, por causa da pandemia, o festival contou com a presença física de 3 mil pessoas e, após o evento, vimos nas redes sociais e ouvimos pela cidade diversas manifestações do público preto sobre a experiência de viver um festival com liberdade e segurança, longe de qualquer preconceito racial, de gênero ou outras violências. Ostentando turbantes, roupas e sendo elas mesmas, sem nenhuma restrição. O retorno que tivemos é sempre de que foi o lugar em que se sentiram mais acolhidos, mais belos, mais felizes. O Afropunk é esse espaço pensado para que corpos negros desfilem com toda liberdade e autoestima.”

Liniker se tornou a primeira artista trans brasileira a vencer um ‘Grammy’

Serviço: 

Data: 26 e 27 de novembro de 2022 (sábado e domingo)

Abertura dos portões: 18h

Início dos shows: 19h

Encerramento: 5h

Local: Parque de Exposições 

Endereço: Av. Luís Viana Filho, 1.590, Itapuã – Salvador/BA 

Vendas: https://bileto.sympla.com.br/event/74028/d/142848/s/928120 

Ingressos: 

Arena Inteira | R$ 180,00 + taxa

Arena Meia Entrada* | R$ 90,00 + taxa

Arena Meia Social** | R$ 100,00 + taxa

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