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Se o Dia da Consciência Negra convoca sempre à reflexão e à luta contra a discriminação e por direitos da população negra, neste ano o 20 de novembro sucede em um momento histórico singular – de turbulência, revisão e renovação no Brasil. Para refletir sobre o contexto atual e iluminar caminhos possíveis para a luta antirracista, convidamos o escritor, professor e pesquisador Jefferson Tenório para uma conversa sobre o País de hoje e as páginas de nossa história que começam a ser escritas agora.
O escritor, pesquisador e professor carioca Jeferson Tenório é autor de três livros
Doutor em teoria literária pela PUCRS, Tenório venceu o Prêmio Jabuti em 2021 com seu último livro, “O Avesso da Pele”, romance que trata de violência e negritude ao contar a história de Pedro, personagem que procura resgatar o passado de sua família após seu pai ser assassinado pela polícia. Carioca radicado em Porto Alegre, Tenório é um dos mais reluzentes destaques da literatura brasileira contemporânea, contribuindo também de forma contundente para o debate racial como ponto central da construção social brasileira.
O fim do governo Bolsonaro e os dez anos da lei de cotas foram os pontos de partida da conversa, tornando a reflexão ao redor do Dia da Consciência Negra em 2022 em um alarme, indicando a urgência da construção de um futuro antirracista, democrático, reparador e igualitário.
Este ano, o Dia da Consciência Negra coincide com o fim do governo Bolsonaro e os 10 anos das cotas raciais nas universidades. O texto da lei recomenda uma revisão do projeto após uma década, mas, das 70 revisões que tramitam na câmara, quase metade sugere restrições às cotas. Como você enxerga o momento atual na perspectiva dessa possível revisão?
JEFERSON TENÓRIO: A revisão da lei de cotas é necessária, mas não para diminuir as vagas ou propor seu término, e sim pelo seu aprimoramento. Porque não se trata apenas de colocar vagas à disposição da população negra, mas também da manutenção dessas pessoas dentro das universidades.
A política de cotas deveria se expandir no número de vagas, que precisa ser aumentado para pessoas negras e pobres, mas também para oferecer auxílio a esses estudantes. Nas universidades federais, geralmente o aluno precisa se dedicar em tempo integral: são disciplinas que ele faz de manhã, de tarde e até mesmo de noite, e para quem tem um trabalho, precisa bater cartão, é necessário um auxílio, uma bolsa. O aprimoramento tem de ser nesse sentido, e não de qualquer revogação ou diminuição.
Uma avaliação técnica sobre o desempenho dos alunos é também importante. Descobrir em que cursos eles estão se saindo melhor, estão tendo dificuldades, é importante para que a entrada desses alunos não seja traumática. Estamos falando de alunos que vêm de periferias, para um lugar majoritariamente frequentado por uma classe média alta, enfrentando um contraste social. A avaliação é bem-vinda para aprimorar a lei de cotas.
-Entrevistão com KL Jay: ‘Unicamp acertou. Racionais MC’s ensina muito’
Em uma fala recente, você afirmou a importância de “frustrar o estado racista, conferindo novamente uma existência que não é reconhecida em função da cor da pele”. Diante do racismo estrutural como um sombrio alicerce nacional, é possível vislumbrar algum ponto de virada social, político ou cultural para um futuro menos racista a partir do Brasil de hoje?
Um grande problema que temos diante de nós é a estrutura neoliberal, que “racializa” esses corpos e, ao mesmo tempo em que os domestica, os transforma em mercadoria. Para o neoliberalismo, não é vantajoso acabar com a “racialização” dos corpos. Ela ainda traz muito lucro. Eu não sou muito otimista quanto a isso. Não vejo um futuro promissor para as questões raciais, pois temos uma estrutura muito solidificada que “racializa” e desumaniza esses corpos.
Há também uma invisibilidade da violência contra as pessoas negras. No Brasil principalmente se vê um racismo muito sutil que, por isso, na grande maioria das vezes acaba invisível. O que ganha mais repercussão são os casos mais evidentes, quando alguém xinga ou agride outra pessoa, mas o racismo mais sofisticado, escamoteado, escondido, é a maioria, e isso impossibilita uma mobilização maior, como acontece nos Estados Unidos, em que existem movimentos declaradamente racistas, supremacistas brancos, que acabam levando a uma reação mais forte e contundente.
Eu não vejo a curto prazo uma solução, mas o que acho que é interessante, e pode ser mais propositivo, é que nós, a população negra, nos apropriamos da tecnologia, da escrita, da fala, da teoria, e isso faz com que a gente consiga reagir e resistir mais a esse Estado neoliberal e racista.
Tenório nasceu no Rio em 1977, e publicou seu primeiro livro, “O Beijo na Parede”, em 2013
-Maioria dos brasileiros se diz a favor das cotas raciais e porque isso é importante
Ao comentar incidentes racistas recentes, você afirmou que “faz sentido dizer que o Brasil prefere ser racista que ser capitalista”. É uma frase tão certeira quanto assombrosa: sabendo que a história do racismo e do capitalismo se confundem desde o início e até hoje, em que ponto você localiza essa oposição? Em que ponto o racismo se opõe ao capitalismo no Brasil?
Essa é uma frase de efeito, mas estou falando de um capitalismo primitivo, que não é o capitalismo neoliberal que vemos hoje, mas sim aquele que, em uma loja, um vendedor que também é subalternizado, que também é explorado, pelo fato de ter uma cor diferente, se coloca no lugar de opressor, e deixa de ganhar sua comissão para exercer o racismo, que na verdade é introjetado. Ao mesmo tempo, há nisso uma lógica neoliberal, nesse sujeito que incorpora o chefe, que se torna o chefe dele mesmo, que se auto explora e se coloca no lugar de definir quem pode ou não pode comprar, quem deve ser bem atendido.
A lógica do capitalismo hoje é da precarização do trabalho. Nós não temos mais a estabilidade no trabalho que se tinha há alguns anos. O filósofo camaronês Achille Mbembe vai falar sobre como nos transformamos todos em trabalhadores nômades. Essa precarização do trabalho se aproxima muito da superexploração que os escravizados sofreram séculos atrás.
Por isso que nós temos, na verdade, um devir negro do mundo. Ou seja: estamos todos indo para um caminho de superexploração muito próximo da exploração escravagista.
Não há como desvincular esse sistema neoliberal das práticas racistas. Enquanto a gente não resolver essa lógica que reduz a nossa existência e transforma o consumo na única forma de existir, a gente não vai conseguir muita coisa.
Há um paradoxo então? Pois o consumo é a única forma de existir e, no entanto, a precarização do trabalho reduz justamente o poder de consumo dos trabalhadores. Parece que esse paradoxo move tudo hoje.
Exatamente. Essa é a lógica desse capitalismo tardio, como diz o Frederic Jameson: resolver o problema e criar três. O capitalismo só sobrevive porque cria problemas e desejos. No momento em que ele parar de criar problemas e desejos, ele quebra.
-Sueli Carneiro é eleita doutora ‘honoris causa’ pela UnB
É lugar comum falar em educação como um caminho para um futuro melhor, mas quase nunca se esclarece de qual educação se está falando. Seu trabalho como professor parece ser um ponto afirmativo e fundamental de sua atuação: como você vislumbra uma educação que possa ser efetivamente antirracista?
Só há um caminho para que a gente tenha uma educação antirracista: uma educação ética. É preciso um letramento ético em relação à vida. A ética é justamente esse chão que nos permite conviver com o outro. Se não temos esse chão, não adianta um discurso antirracista, porque a ética é anterior, e significa também abrir mão de seus privilégios individuais em prol da coletividade. A eleição do Bolsonaro em muito se deu justamente no sentido contrário, pelo medo da perda dos privilégios, e a eleição do Lula, de certo modo, olha para a coletividade.
A gente precisa de uma educação que tenha a alteridade como pauta e, a partir disso, que trabalhe com as culturas negras, indígenas, as questões de gênero, e que isso não seja um tabu, um problema para a sociedade. E mais: essas pautas têm de ser naturalizadas. O fato de você levar autores negros ou indígenas para terem suas literaturas discutidos em sala de aula já é uma postura antirracista. O caminho é da alteridade e da ética. Não vejo alternativa.
A necessidade de naturalização desses assuntos parece esbarrar muitas vezes justamente no oposto: pais e mães que reagem à mera menção ou sugestão desses autores em sala de aula, como aconteceu no ano passado com um livro da Conceição Evaristo [Uma professora negra foi afastada de uma turma em uma escola em Salvador, no final do ano passado, por propor o estudo do livro “Olhos d’Água”, da autora mineira]. É possível construir essa relação social em que a presença dessas pautas na sala de aula seja natural?
Eu trabalhei mais de 15 anos em escolas públicas e privadas. Tive inúmeras reuniões com os pais, me questionando sobre textos que eu utilizava com os alunos, e penso que a escola precisa fazer um trabalho em conjunto, com os pais e a comunidade. Os pais precisam entender qual é o projeto da escola, e principalmente as escolas privadas não devem se render às vontades ideológicas desses pais. Porque se as escolas entram nesse jogo perverso, vão acabar perdendo o controle da sua missão ética ou do seu programa de ensino.
É preciso uma afirmação das escolas. É claro que escolas menores têm um pouco mais de dificuldade para se afirmar, mas as escolas privadas maiores têm esse poder, de afirmar um método. É preciso chamar os pais para conversar e tentar estabelecer um programa de ensino.
“O Avesso da Pele” foi vencedor do Prêmio Jabuti de Melhor Romance e finalista do Prêmio Oceanos
-Lélia Gonzalez deveria ser leitura obrigatória nas escolas e universidades
Você foi ameaçado em março deste ano, justamente em um contexto escolar [Tenório sofreu ameaças de morte após ser anunciado como palestrante em uma escola em Salvador]. É possível vislumbrar a superação ou pelo menos o apaziguar desse ódio que mediou de forma tão aguda as relações sociais nos últimos anos? E, mais, é possível proteger o Brasil da repetição desses retrocessos no futuro?
A gente não tem ainda uma democracia sólida, né? Como diria Milton Santos, a gente tem um ensaio democrático, e esse ensaio parece que fica só no ensaio mesmo. Um país que tem um racismo estrutural não pode ser chamado de democrático: que mata mulheres e trans todos os dias não pode ser chamado de democrático. Assim, o retrocesso é sempre um fantasma, e ele pode voltar. De tempos em tempos, essas explosões de ódio infelizmente fazem parte da nossa caminhada enquanto sociedade.
Psicanaliticamente falando, o ódio é anterior ao afeto, ao amor. O ódio chega primeiro. O amor é uma invenção para lidar com o ódio. O ódio seria essa forma de lidar com o estranho, com aquilo que não se parece conosco. Um mecanismo de defesa, digamos assim. Então, essas explosões de ódio vão continuar acontecendo. A questão é como nós vamos lidar com elas.
Como mostrou a eleição, o Brasil nos últimos anos ficou muito dividido. Acho que temos um tempo pela frente para tentar minimizar um pouco isso. Temos de ficar de olho nos retrocessos propriamente, na perda de direitos, na violência cotidiana, estrutural. Ficar de olho sempre.
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