Berço pré-histórico do ser humano no continente, sítios arqueológicos no Piauí estão ameaçados pela soja

Vitor Paiva  • Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Parte da maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos das Américas pode estar ameaçada por mais uma plantação de soja no Estado do Piauí. O projeto de cultivo dentro do Corredor Ecológico, entre os Parques Nacionais Serra da Capivara e Serra das Confusões, avançou desde o mês passado, após a licença ambiental ser concedida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Contrariando relatório dos técnicos da instituição, a autorização à plantação poderá devastar 6 mil hectares da região, reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO há mais de três décadas.

A famosa formação conhecida como Pedra Furada, dentro do Parques Nacional Serra da Capivara

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Localizada a cerca de 7,6 km da Serra da Capivara, a área onde o plantio foi autorizado pode resguardar registros arqueológicos e paleontológicos históricos, o que levou o Ministério Público Federal do Estado a emitir duas recomendações no mês de novembro pedindo ao ICMBio que revogasse a autorização.

O órgão, porém, afirmou que não aceitaria a solicitação: presidido pelo policial militar Marcos Sinamovic, nomeado pelo Governo Bolsonaro no final do ano passado, o instituto afirmou que não contrariou seu corpo técnico, já que teria havido opiniões divergentes nas análises.

Arte rupestre no Sítio Arqueológico Baixão da Vaca, dentro do Parque

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“O MPF avaliou que há omissões e informações que precisam ser mais bem esclarecidas para avaliar a compatibilidade da atividade e seus impactos negativos com a finalidade do corredor ecológico, o que inclusive justificou a expedição das recomendações”, explicou Luise Torres, procuradora da República no município de São Raimundo Nonato.

Segundo especialistas, na região há um registro geológico único de uma glaciação no Piauí, como mais bem preservado registro de geleira no Nordeste brasileiro, e que pode haver registros e fósseis que seriam destruídos com o cultivo de soja.

Mais bem preservado registro de geleira do nordeste na área onde o cultivo de soja foi autorizado

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Além do registro de geleiras, a área guarda formações areníticas que também podem guardar fósseis e artes rupestres desconhecidas: o plantio irá igualmente provocar danos ambientais irreversíveis contra a fauna e a flora. Os registros arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara confirmam que a região foi densamente povoada em períodos pré-históricos. Artefatos, inscrições e vestígios encontrados no local, remontando a até 50 mil anos atrás, revolucionaram a história da presença humana no continente americano.

A plantação poderá destruir fósseis, artefatos e outras artes ainda não encontradas no local

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Contrariando os pareceres técnicos, em resposta à coluna de Carlos Madeiro no UOL, a empresa Apesa Agropastoril Piauiense afirmou que não há riscos ambientais nem para os sítios arqueológicos a partir do empreendimento. “O fato de a fazenda estar localizada dentro de um Corredor Ecológico não é um impeditivo legal para a instalação do empreendimento, já que não é uma Unidade de Conservação”, diz o texto. A resposta ainda reitera que o projeto só terá início após as devidas licenças e comprovação pelo Iphan de que que o cultivo não irá prejudicar os sítios arqueológicos ou paleontológicos.

Visitantes observando pinturas rupestres dentro do Parque, um dos mais importantes do mundo