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‘O Ateliê’: novo podcast de Chico Felitti denuncia violência em escola de Arte transformada em seita em SP

04 • 01 • 2023 às 15:33
Atualizada em 05 • 01 • 2023 às 17:53
Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Localizado a passos de distância do emblemático Edifício Copan, no centro de São Paulo, o Conglomerado Ateliê do Centro foi fundado por volta do ano 2000 por Rubens Espírito Santo, prometendo funcionar como um espaço para ateliês e uma escola de Arte. Passadas duas décadas, porém, o local, que nunca havia sido matéria de uma investigação ou mesmo de reportagens especiais, acaba de se tornar alvo de uma série de denúncias – e tema do mais novo podcast do jornalista Chico Felitti.

Depois do imenso sucesso de “A Mulher da Casa Abandonada” no ano passado, em “O Ateliê”, Felitti parte do relato da artista baiana Mirela Cabral que acusa a escola de arte de ser uma possível seita, através da qual Rubens, mais conhecido como “Mestre”, teria cometido diversos crimes de violência e abuso contra dezenas de seus “discípulos”. Espírito Santo nega todas as acusações.

Imagem de divulgação do podcast "O Ateliê", sobre quadro de Mirela Cabral

Imagem de divulgação do podcast “O Ateliê”, sobre quadro de Mirela Cabral

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De acordo com a denúncia noticiada pelo podcast, que também é produzido e apresentado por Beatriz Trevisan e estreou nas plataformas de áudio hoje, 4 de janeiro, o galpão localizado no andar térreo de um edifício na Rua Epitácio Pessoa, bairro da República, no centro de São Paulo, teria sido cenário de abusos psicológicos, físicos, sexuais e financeiros contra jovens abastados que teriam tido seus trabalhos, seu dinheiro e suas vidas manipuladas, violadas e tomadas por Rubens. É esta a acusação presente no primeiro episódio da audiossérie.

Em nota de esclarecimento publicada no site da escola, o “Mestre” nega as acusações, chamadas de “fantasiosas”. Em Carta Aberta, divulgada nesta quinta-feira (5), Rubens Espírito Santo rebate as acusações, e diz estar sofrendo de “um verdadeiro linchamento público de imagem”.

Espírito Santo, na Carta Aberta, dá detalhes sobre o funcionamento da escola e mesmo sobre sua vida financeira. A respeito do método empregado no local, diz: “Não estamos inventando a roda e nem usamos práticas de seitas. Este modelo de trabalho, com forte envolvimento emocional, está presente em orquestras, grupos de teatro e muitas organizações do mundo da cultura”.

E conclui: “Diante de toda esta situação, eu queria informar a todos que estamos suspendendo as atividades do Atelier do Centro até que todas as acusações sejam devidamente esclarecidas”.

O jornalista e escritor Chico Felitti

O jornalista e escritor Chico Felitti

Hoje com 30 anos, Mirela começou a frequentar a escola em 2016, quando tinha 24 anos, inicialmente com o interesse de realizar um documentário sobre aquele exótico homem que, apesar de desconhecido no meio artístico ou acadêmico, possuía um verdadeiro séquito de jovens ao seu redor. Rapidamente, porém, ela diz ter se encantado com o local e com as promessas.

Acreditava que poderia se transformar em uma artista e se tornou também uma seguidora: em um momento de fragilidade pessoal, após pedir demissão de seu emprego para se dedicar por inteira à escola, ela diz ter começado a obedecer aos mais de 50 mandamentos que regem o local – e a sofrer abusos que teriam sido cometidos por Rubens, de acordo com a jovem.

Quadro "De Repente", de Mirela Cabral

Quadro “De Repente”, de Mirela Cabral

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Além de Mirela, as agressões foram narradas por 12 ex-alunos, que descreveram anonimamente situações envolvendo chutes, puxões de cabelo, abusos sexuais, cortes com lâminas, muitas agressões verbais, humilhações, além de manipulações financeiras que sustentam a vida do “mestre”.

Em entrevista, Rubens afirmou que o local, que cobrava uma mensalidade de R$ 1.500 de Mirela além de explorar todo e qualquer outro recurso financeiro da jovem, tinha, em verdade, pouca relação com ensino de Arte. “Eu estou muito mais interessado que o menino rico aprenda a fazer café do que aprenda a desenhar. Então eu tenho muito pouca relação com o mercado de Arte”, afirmou para Felitti.

Rubens Espírito Santo

Reprodução de página do site do CAC, que apresenta Rubens Espírito Santo como fundador do ateliê

Segundo a nota, o Conglomerado Atelier do Centro é uma instituição que “oferece cursos de arte, filosofia, performances e um programa de acompanhamento, formação e pesquisa continuada”. De acordo com o texto publicado após a divulgação do podcast, a escola é “aberta ao público e os participantes pagam mensalidades para a manutenção dos programas de formação. Todos os alunos são maiores de idade, a maior parte deles têm formação universitária, e participam livremente das atividades propostas, que são realizadas de forma coletiva e consensual”.

Fachada da escola no Google Street View, localizada na Rua Epitácio Pessoa, no centro de São Paulo

Fachada da escola no Google Street View, na Rua Epitácio Pessoa, no centro de São Paulo

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O site do CAC, como é conhecido o Ateliê, é tão confuso que é quase impossível compreender de fato alguma linha de pesquisa ou metodologia de ensino do local. “O CAC hoje tem uma tendência aguda pelo fazer técnico, pelo fazer prático e pelo fazer em qualquer instância, seja ele teórico ou não, o Atelier prega o ‘descarrego’ de tudo o que está na mente, e assim pretende munir o sujeito de recursos e condições para fazer este descarrego, ou seja, lidar com a insolvência de nosso mundo, transformar sujeitos livres em combatentes e sobreviventes num campo que se apresenta cheio de adversidades”, diz um texto de apresentação.

Quadro "Cartas", de Mirela Cabral

Quadro “Cartas”, de Mirela Cabral

No primeiro episódio, Rubens afirma que tudo que acontecia no local era consentido, mas a artista afirma que as relações eram regidas por uma abusiva assimetria de poder, a exemplo do que aconteceria na maioria das seitas. Mirela Cabral, que hoje é uma pintora que cada vez mais se destaca no cenário brasileiro das artes plásticas e se encontra em Londres, foi a única ex-aluna a permitir o uso de seu nome e sua voz nos episódios, mas outras duas mulheres entraram com uma denúncia, que motivou a abertura de um inquérito, em que os mais de 20 relatos de violência e abuso foram incluídos.

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Essa sombria história, portanto, ainda se encontra aberta, e será relatada e atualizada no podcast “O Ateliê”, de Chico Felitti, já disponível em todas as plataformas de áudio e no Youtube, com novos episódios publicados às quartas-feiras, ou liberados antecipadamente para quem apoiar sua publicação.

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© foto 1: Divulgação

© foto 2: Instagram/Reprodução

© foto 3, 6: Instagram/Reprodução

© foto 4: CAC/Reprodução

© foto 5: Google Street View/Reprodução


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